Por: Josélia Pegorim
Os incêndios arrasadores que se espalharam pela região chilena de Valparaíso na última sexta-feira (02/02) deixaram, até agora, mais de 130 mortos, centenas de desaparecidos, mais de doze mil casas destruídas e 26 mil hectares de devastação. Temperaturas elevadas, baixa umidade e ventos com força de furacão criaram as condições para que o fogo avançasse em alta velocidade.
As chamas também atingiram o jardim botânico de Viña del Mar, que teve mais de 90% de sua superfície queimada. Próximo ao parque, porém, o bairro Botania e outros locais da área denominada Canal Chacao, na comuna de Quilpué, conseguiram se salvar, ainda que em meio a uma paisagem desoladora.
Nem toda a área, com suas mais de 1,5 mil moradias, teve a mesma sorte.
"Temos aproximadamente quase 250 casas queimadas e sete mortes. Mas se não tivéssemos atuado no trabalho de prevenção, esse número poderia ter sido muito maior", disse à DW Rodrigo Vargas, presidente do Grupo Canal Chacao para prevenção e segurança de incêndios florestais.
O grupo foi formado após os trágicos incêndios que afetaram outras áreas da região em 2022. A iniciativa partiu da própria comunidade, que aderiu a um projeto de gestão territorial para prevenção de incêndios, organizado pela Cáritas Chile e pela Corporação Nacional Florestal (CONAF), com financiamento da USAID BHA, o órgão de assistência humanitária da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
Há mais de um ano, o grupo trabalha com prevenção e se prepara para enfrentar ameaças como a vivida há poucos dias.
"O trabalho comunitário é um princípio fundamental para reduzir o risco de desastres", disse à DW o coordenador nacional do projeto, Pedro Contreras, da Cáritas.
"O fogo poderia ter devastado tudo, queimando-nos por completo. A única explicação para esses bairros terem sido salvos é o trabalho comunitário, que nos permitiu ter o conhecimento técnico sobre o que é poda e capina, e o conceito de prevenção de incêndios florestais", diz Vargas.
"Não existe risco zero, mas uma série de ações nos permitiu ter resultados como os que vimos, que é reduzir o risco", enfatiza Contreras. Atualmente, o programa está sendo desenvolvido em sete comunas do Chile, nas regiões de Valparaíso e Ñuble.
Outro passo importante foi conhecer o território, recolher dados e identificar riscos e locais vulneráveis. No caso do bairro Botania, a proximidade com áreas florestais era um sinal de alerta. Foram criadas ações para enfrentar esses riscos, começando com jornadas de capina, poda, criação de aceiros (desbaste de vegetação para impedir propagação de incêndios) e retirada de lixo em setores vulneráveis.
"A matéria vegetal combustível deve ser retirada da área de interface urbano-florestal para reduzir as condições de propagação do fogo em um incêndio florestal. Isso implica também trabalhar com o município, que retira essa matéria", detalha Contreras.
Juntamente com a capacitação, moradores reforçaram o sistema de alerta e resposta prévia e garantiram projetos de financiamento para permitir um programa de ação completo. Entre outros, foram adquiridos ferramentas de manejo florestal, maquinários como capinadores e cortadores de grama, e construídos lagos com mais de três mil litros de água em pontos estratégicos para umedecer setores de risco e proporcionar uma resposta rápida.
Além disso, eles também instalaram câmeras de segurança para monitorar a área de interface, principalmente nas temporadas de temperaturas elevadas, e adotaram o rádio como um meio de comunicação acessível em caso de emergência e queda do sinal telefônico, algo fundamental para coordenar a evacuação e salvar vidas.
A tragédia poderia ter sido maior, é fato, mas com tantas vidas e lares perdidos, o golpe não deixou de ser severo. Vargas apela pelo apoio aos vizinhos mais desamparados: "Há muitos que perderam absolutamente tudo; não têm sequer seus documentos. "O governo prometeu ajudar, enquanto organizações como a Cáritas, municípios e instituições privadas realizam campanhas para angariar doações em dinheiro.
O presidente do Grupo Canal Chacao alerta ainda para a necessidade de proprietários de terrenos florestais tomarem medidas para manter limpa a interface com as áreas habitadas: "Deve haver uma responsabilidade por parte dos proprietários que têm florestas próximas dos centros urbanos. Aceiros são fundamentais para proteger a vida e a propriedade das pessoas."
Este conteúdo é uma obra originalmente publicada pela agência alemã DW. A opinião exposta pela publicação não reflete ou representa a opinião deste portal ou de seus colaboradores.
Fonte: g1/climatempo
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