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Por que Glock fissura funkeiros e como hits transformam pistola em metáfora fálica
Publicado em: 04/03/2024

Por Marina Lourenço, g1

Música mais ouvida no Spotify Brasil neste momento, "Baby eu tava na rua da Água" mescla elementos de duas vertentes do funk: os chamados proibidão e putaria. A canção, dos MCs TR e Menor do RV, faz referências fálicas a Glock, uma arma de fogo.

Na voz infantil do RV, que tem 13 anos, os versos do refrão citam a pistola nominalmente.

 

"Baby, eu 'tava na Rua da Água/ de Glock, de radin/ cê me avistou do nada/ chegou com os papin/ achou que eu caio na lábia/ pediu pra sentar e sarrar na glockada."

 

Também no Top 50 do Spotify Brasil, "Rolé na Favela de Nave" — de Oruam, com Didi e MCs K9, William e Smith —, é outra faixa a mencionar o revólver: "botar a Glock pra dar um rolé (no Complexo)/ pras piranha ver um volume".

Não é a primeira vez que músicas do gênero falam da arma austríaca. O objeto também aparece, por exemplo, nos hits:

 

  • "Dono da Porsche (bom dia princesa)"
  • "Glockada na cintura"
  • "Sarra no menor que tá de Glock na cintura"
  • "Glock camuflada elas se amarra"
  • "Balança balança a Glock vs. bota pra cantar papum"
  • "Deixa de Onda"
  • "Pegada de Malvado"
  • "Sento no bico da Glock"

 

Mas, afinal, por que tantas canções de funk citam a pistola? Existem algumas razões para isso acontecer.

Xerox das armas

 

Fabricado em 1979 por Gaston Glock, o revólver começou a ser usado em 1982. Primeiro, pelo exército austríaco e, logo depois, pelas forças militares dos Estados Unidos.

Feita de polímero, a arma se destacou rapidamente no mercado armamentista. Foi considerada de alta durabilidade, por sua estrutura, que é resistente à corrosão.

Com o tempo, ela ganhou fama global, sendo vista com glamour por atiradores.

Virou um tipo de "Xerox das armas". Assim como a marca americana é sinônimo para "fotocópia", o termo Glock é usado não só para se referir ao modelo em si, mas também ao próprio conceito de pistola. É o que explica Roberto Uchôa, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, policial federal e autor do livro "Armas para quem? A busca por armas de fogo".

"Ela se tornou referência”, diz o especialista. “Aí começou a aparecer na cultura pop. Por exemplo, ‘U.S. Marshals - Os Federais’ [1998] tem uma cena em que o personagem manda o outro trocar a pistola dele pela Glock’."

 

A arma também está em cenas famosas de filmes como "Duro de Matar 2" (1990), "Fim dos Dias" (1999) e títulos das séries "007", "Exterminador do Futuro" e "Matrix".

Vocabulário gangsta

 

Além de ganhar espaço no cinema, ela se fincou no imaginário popular por meio da música.

Na mesma época em que seu destaque chegava às telonas — entre os anos de 1990 e 2000 —, games como "GTA" ("Grand Theft Auto") e canções de sucesso mencionavam o modelo.

Foi assim que a Glock entrou para o vocabulário do rap americano, sobretudo na vertente gangsta, que aborda questões ligadas ao crime e à vida nos subúrbios dos Estados Unidos.

Entre as canções com letras do tipo, estão "Hit 'Em Up", de Tupac, com Outlawz, "Bring It On", de Snoop Dog, e "Runnin'", de Tupac.

Com sucesso mundial, faixas como essas acabaram inspirando artistas de outros gêneros.

 

Décadas de proibidão

 

Surgido no Rio de Janeiro do final dos anos 1990, a vertente do funk proibidão foi influenciada tanto pelo gangsta quanto pelo rap nacional.

 

Suas obras são cheias de referências explícitas ao contexto violento no qual vivem as favelas brasileiras e ao modo operacional do crime no país.

 

 

Como mostra "Rap Das Armas", dos MCs Junior e Leonardo, o subgênero já fazia referências a Glock até mesmo antes de a pistola chegar ao Brasil (por vias legais), em 2005. (Vale dizer que, embora a arma tenha significativa circulação no país, nunca ultrapassou o monopólio nacional da Taurus.)

Com letras de menção a facções criminosas, tráfico de drogas e, como dito, porte de armas, o proibidão vem sendo desde sempre motivo de debates sobre glamourização da violência e demonização cultural.

 

Funk na mira

 

Por muitas vezes, discursos que acusam o funk de estimular à violência fizeram o gênero ser tratado com censura.

Em 2008, a realização de bailes funk nas favelas cariocas se tornou alvo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que durante anos inviabilizaram os eventos.

Em 2017, um projeto legislativo definia o funk como "um crime de saúde pública". O texto chegou ao Senado, mas foi rejeitado.

Dois anos depois, um levantamento publicado pelo g1 mostrou que, só naquele ano, a Polícia Militar havia feito pelo menos 7,5 mil operações contra pancadões no estado de São Paulo.

Dos versos à realidade

 

“Tudo isso legalmente é insustentável”, afirma Salah H. Khaled, presidente do Instituto Brasileiro de Criminologia Cultural e professor da Universidade Federal do Rio Grande. “A liberdade de expressão é um direito fundamental.”

 

“Qualquer hipótese que sustente um vínculo de ordem causal entre expressões artísticas e violência real não tem fundamento. Já tentaram comprovar isso, mas não se chegou a nenhuma sustentação [da teoria]."

 

"Isso é uma forma de simplificar a discussão e redirecionar um debate que envolve questões como, por exemplo, o acesso a armas de fogo. Músicas de arma não matam. Armas matam.”

Brasil, um país violento

 

Salah ressalta que, mesmo assim, essa é uma discussão delicada. Ao contrário de games, por exemplo, o acesso a músicas é bem mais expandido e simples.

Ainda que selos de “conteúdo explícito” (das plataformas digitais) estejam em parte das faixas com letras desse tipo, todas podem ser facilmente ouvidas por crianças, o que, se desalinhado de conversas pedagógicas, pode deturpar a compreensão do ouvinte do real conceito de qualquer arma: ferir e assassinar.

Dados do Monitor da Violência, criado pelo g1 para medir índices nacionais de homicídios, mostram que só no primeiro semestre de 2023 foram quase 110 assassinatos por dia.

 

O Anuário de Segurança Pública publicado neste ano revela que 76,3% dos assassinatos cometidos no país em 2022 foram cometidos com armas de fogo.

“A realidade é uma só: a nossa sociedade é extremamente violenta”, afirma Roberto Uchôa. “O que essas músicas estão mostrando é o que a sociedade já vivencia há décadas.”

Atualmente, o Brasil tem quase 2,9 milhões de armas de fogo cadastradas na Polícia Federal em nome de civis. Desses, mais da metade está com os registros em situação irregular.

 

Em 2023, quase 940 mil armas de CACs (Caçador, Atirador Esportivo e Colecionador) foram recadastradas após uma determinação do governo federal. Elas foram adquiridas entre 2019 e 2022, período no qual decretos do governo Jair Bolsonaro facilitaram o acesso às armas.

“Demonizam tanto o funk por falar essas questões, mas a população elegeu um presidente que fazia sinalzinho de arma em comício”, diz Tamiris Coutinho, pesquisadora do gênero e autora de "Cai de Boca no Meu B#c3t@o: O Funk como Potência do Empoderamento Feminino".

"Eu sei, é complicado uma criança cantar sobre Glock. Devemos tomar cuidado para não romantizar isso”, afirma ela. “Ao mesmo tempo, se ela tá cantando aquilo, é porque tem acesso [à temática]."

"É uma realidade das periferias. É comum ver gente andando com arma. Seja policial, traficante ou miliciano."

Glock para além da arma

 

Salah H. Khaled explica que a citação da Glock numa letra não é, necessariamente, referência à arma em si. Pode ser alusão a poder, ascensão social, status, virilidade, masculinidade e falo.

"Numa sociedade do consumo, objetos não são valorizados por aquilo que são, mas sim pelo que representam. É diferente tirar do bolso um celular Xiamoi e tirar um IPhone de última geração."

 

"Existem versões da Glock altamente estilizadas", diz ele. "É uma pistola projetada para ser sexy, atraente."

De fato, várias canções do proibidão transformam o revólver num objeto fálico. São casos em que, a partir de metáforas, o subgênero se junta ao funk putaria.

"Eu só conheço uma música que tenha mulher cantando sobre esfregar a arma na cara de homem. É 'Glock', de Muse Maya. Todas as outras são sobre sarrar ou sentar na Glock de algum homem", diz Tamiris.

 

"É uma extensão do falo, da masculinidade."

 

Aqui estão alguns versos que seguem a ideia:

 

  • "A cara de tralha com a Glock camuflada/ me viu no beco, ficou com a xota molhada"
    ("Glock camuflada elas se amarra")
  • "Viu a Glockada na cintura/ novinha sentiu tesão/ viu que os tralha tá com dinheiro/ deu pra ver pelos cordão"
    ("Glockada na Cintura")
  • "Vou te apresentar minha Glock de 30 tiro/duvido, garota, você não ficar comigo/ Sarrando com a xota no bico"
    ("Pegada de Malvado")
  • "Eu gosto quando tu senta forte/ e vem sarrando na minha glock/ que hoje eu vou te furar"
    ("Sento no bico da Glock")
  • "Joga a glock na cintura e deixa aparecer o pentão/ que a mulherada logo marca condição"
    ("Herói ou Vilão")

Na rua da Água

 

É também o caso do hit "Baby eu tava na rua da Água" — cujo refrão está descrito no início desta reportagem.

A obra é um funk de Belo Horizonte que faz interpolação (recurso de compor música a partir de alguma harmonia já existente) de “I'm Good (Blue)”, de Bebe Rexha e David Guetta, música que é interpolação de "Blue (Da Ba Dee)", de Effeiel 65.

A letra faz referências à rua da Água, point de muitos bailes funk da capital mineira.

Segundo o MC TR, ele e Menor da VR chegaram a receber críticas pelo uso da palavra "Glock", principalmente por haver "uma criança cantando".

O funkeiro atribui isso a um preconceito contra o gênero e nega que sua música seja uma glamourização da violência.

O músico diz ainda que, apesar das críticas, ambos cantores ouvem muito mais comentários positivos sobre o hit.

Fonte: g1


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